Nunca houve e talvez nunca existirá
um início de século tão desafiador para o Brasil como o Século XXI. Isso
acontece basicamente por três transições socioambientais distintas que estão
atingindo o seu apogeu nestas primeiras décadas do século: a) transição
epidemiológica; b) transição demográfica; e c) transição climática.
Há trinta anos, as empresas,
governos e sociedades locais podiam se dar ao luxo de fazer novos empreendimentos
sem pensar nas conseqüências para o meio-ambiente, a falta de mão-de-obra ou os
custos da saúde pública. Durante essa época, o marketing comercial mostrava
toda a sua força, fazendo com que os habitantes de diversos países do mundo
modificassem seus comportamentos sociais, aumentando o número de fumantes,
consumo de álcool, direção agressiva, alimentação de alto valor calórico, etc.
Nada era mais importante do que o acesso a esse estilo de vida de consumo tão
vangloriado por Hollywood e seus artistas famosos.
No entanto, tudo isso veio com um
custo significativo, o aumento exponencial da produção de bens de consumo
trouxe conseqüências avassaladoras para o meio ambiente, fazendo com que as
“commodities” e matérias primas se tornem cada vez mais caras em virtude do
aumento da temperatura global. Além disso, o sonho de consumo fez com que as
famílias se tornassem cada vez menores e em muitos países as sociedades já
estão diminuindo de tamanho. Esse será o caso do Brasil também a partir de 2030,
segundo o IBGE. E, finalmente, esses novos estilos de vida de consumo acabaram
trazendo um aumento significativo da incidência das doenças crônicas - muito
mais caras do que as doenças infecciosas e de tratamento longo. No Brasil, as
doenças crônicas já ultrapassaram significativamente as doenças
infecto-parasitárias como as principais
causas de morte e morbidade da população.
Sendo assim, o Brasil experimenta
nestas primeiras décadas o pico dessas transições e caso não esteja preparado para lidar
com elas, estaremos comprometendo a sustentabilidade econômica de toda a nossa
população nas próximas décadas.
Como no caso de vacinas em que a
solução se encontra muitas vezes no entendimento do problema, fazendo com que
anticorpos sejam injetados nos seres humanos a partir do próprio vírus, o
marketing pode ser usado como a ferramenta de gestão estratégica para a
transformação social. Aliás, essa é a origem do marketing social. Quando
Manoff, Kotler, Roberto e outros autores cunharam o conceito de marketing social, o
principal objetivo era contribuir para a mudança de comportamentos anti-sociais
e anti-ambientais para a melhoria de qualidade de vida da população.
As ferramentas de marketing social,
fundamentadas no claro entendimento dessas transições sócio-econômicas, reinterpretam
os conceitos clássicos de marketing para que seja aplicado na área social. Por
exemplo, no caso do famoso marketing mix (produto, preço, praça e promoção),
para o marketing social
o produto é fundamentalmente o conhecimento, atitude e/ou prática que se quer
promover junto à população. Como, por exemplo, o uso do preservativo ou direção
defensiva no trânsito.
Já no caso do preço, há a
necessidade de um entendimento amplo das principais barreiras financeiras,
psicológicas, culturais, políticas e ambientais para que esse comportamento
seja adotado. Por exemplo, muitos fumantes sabem as conseqüências avassaladoras
para sua saúde desse hábito, mas consideram que o preço de renúncia ao prazer
proporcionado pelo fumo é alto demais para a adoção de outro comportamento.
Isso também acontece no caso da alimentação, dos exercícios físicos, do
trânsito, etc.
A praça é estabelecida como a
estratégia de aproximação desses produtos sociais aos públicos adotantes. Não
adiante nada falar sobre o uso do preservativo, se não estiverem presentes nas
escolas, postos de saúde, entre outros locais não tradicionais, como as
farmácias e supermercados. Aliás, diversos governos estaduais e municipais devem
ser parabenizados pela iniciativa de trazer o debate sobre o uso dos preservativos
para as escolas secundárias.
Finalmente, a promoção é toda a
estratégia de aproximação dos públicos adotantes ao produto social. Fazer com
que comportamentos saudáveis se tornem algo prazeroso e de “status” são algumas
abordagens de comunicação fundamentais para a correta promoção do produto
social. Ou seja, apenas a promoção dos males causados pelos comportamentos
anti-sociais e ambientais é uma estratégia bastante restrita e com pouco
impacto para o público-adotante em potencial.
O
Brasil é conhecido mundialmente por suas estratégias de marketing comercial e
promoção de produtos. Agências com profissionais altamente criativos e
dedicados conseguem fazer com que diversos públicos se interessem por qualquer
tipo de produto. No entanto, deixamos para os burocratas de plantão a tarefa de
tornar comportamentos sociais interessantes e objetos de desejo. Logicamente, a
conseqüência é que esses comportamentos não são adotados a não ser nos casos de
penalidades específicas, como as multas. Precisamos de profissionais de marketing social que
tragam para esse mercado seus talentos e sua energia para que o país se prepare
para as grandes transformações socioambientais desse início do século.