segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Beberrões e Cientistas

            Sempre me preocupou aquela velha frase do grande filósofo Sócrates que geralmente ouvimos em conversas de botequim e de cientistas renomados: “Só sei que nada sei!”. Embora soe bonito, sempre fiquei com um sentimento de contrariedade perante a esta possível constatação. No entanto, descobri, com o passar dos anos, que há uma diferença importante no significado desta frase dita pelos beberrões em final de festa ou pelos grandes cientistas em seus momentos de maior lucidez.

            No caso dos beberrões, o significado realmente está relacionado a este sentimento de impotência na busca pelo saber. Ou seja, preguiça em estudar mesmo. É muito mais simples dizer que a natureza e o mundo são realmente complexos e não há como saber realmente sobre nada. Sendo assim, a rotina passiva pela busca do conhecimento se torna seu porto seguro.

            No caso dos cientistas, o significado não se relaciona ao sentimento de impotência, mas de curiosidade constante na busca pelo saber e no rigor que se exige das conclusões geradas a partir das diversas hipóteses sobre associações e causalidades. Todo o trabalho científico parte de uma hipótese nula; ou seja, nada está associado a nada e cabe à ciência provar o contrário ou constatar esta realidade. A ciência realmente não sabe nada; porém, isto ocorre até que o conhecimento possa ser gerado e aplicado para a melhoria da vida das pessoas. Não pode haver “chutes”, mas métodos rígidos de comprovação.

            Sendo assim, a ciência não possui o conhecimento prévio das associações entre diversas variáveis. Porém, cada vez mais, domina ferramentas para obter tal conhecimento. São estas ferramentas estatísticas e analíticas que contribuem para atingir este nível de conhecimento. Enquanto os beberrões se esbaldam em mais um gole de álcool a cada sentimento de impotência gerado pela constatação da falta do saber, os cientistas se esbaldam na utilização de mais uma ferramenta para testar suas brilhantes hipóteses sobre nosso mundo. Os beberrões podem até gerar algum benefício econômico na mesa do bar com a geração de alguns empregos imediatos. Porém, são os cientistas que promovem as grandes revoluções comportamentais e culturais de nossas sociedades.


            A opção de dar significado prático à famosa frase cabe a cada um de nós. No mercado social, podemos encontrar diversos gestores que poderiam se identificar facilmente com os beberrões ou cientistas. E você? Tá mais para beberrão ou cientista?

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Marketing Social como Solução para os Desafios Socioeconômicos do Brasil no Século XXI

            Nunca houve e talvez nunca existirá um início de século tão desafiador para o Brasil como o Século XXI. Isso acontece basicamente por três transições socioambientais distintas que estão atingindo o seu apogeu nestas primeiras décadas do século: a) transição epidemiológica; b) transição demográfica; e c) transição climática.

            Há trinta anos, as empresas, governos e sociedades locais podiam se dar ao luxo de fazer novos empreendimentos sem pensar nas conseqüências para o meio-ambiente, a falta de mão-de-obra ou os custos da saúde pública. Durante essa época, o marketing comercial mostrava toda a sua força, fazendo com que os habitantes de diversos países do mundo modificassem seus comportamentos sociais, aumentando o número de fumantes, consumo de álcool, direção agressiva, alimentação de alto valor calórico, etc. Nada era mais importante do que o acesso a esse estilo de vida de consumo tão vangloriado por Hollywood e seus artistas famosos.

            No entanto, tudo isso veio com um custo significativo, o aumento exponencial da produção de bens de consumo trouxe conseqüências avassaladoras para o meio ambiente, fazendo com que as “commodities” e matérias primas se tornem cada vez mais caras em virtude do aumento da temperatura global. Além disso, o sonho de consumo fez com que as famílias se tornassem cada vez menores e em muitos países as sociedades já estão diminuindo de tamanho. Esse será o caso do Brasil também a partir de 2030, segundo o IBGE. E, finalmente, esses novos estilos de vida de consumo acabaram trazendo um aumento significativo da incidência das doenças crônicas - muito mais caras do que as doenças infecciosas e de tratamento longo. No Brasil, as doenças crônicas já ultrapassaram significativamente as doenças infecto-parasitárias como  as principais causas de morte e morbidade da população.

            Sendo assim, o Brasil experimenta nestas primeiras décadas o pico dessas transições e caso não esteja preparado para lidar com elas, estaremos comprometendo a sustentabilidade econômica de toda a nossa população nas próximas décadas.

            Como no caso de vacinas em que a solução se encontra muitas vezes no entendimento do problema, fazendo com que anticorpos sejam injetados nos seres humanos a partir do próprio vírus, o marketing pode ser usado como a ferramenta de gestão estratégica para a transformação social. Aliás, essa é a origem do marketing social. Quando Manoff, Kotler, Roberto e outros autores cunharam o conceito de marketing social, o principal objetivo era contribuir para a mudança de comportamentos anti-sociais e anti-ambientais para a melhoria de qualidade de vida da população.

            As ferramentas de marketing social, fundamentadas no claro entendimento dessas transições sócio-econômicas, reinterpretam os conceitos clássicos de marketing para que seja aplicado na área social. Por exemplo, no caso do famoso marketing mix (produto, preço, praça e promoção), para o marketing social o produto é fundamentalmente o conhecimento, atitude e/ou prática que se quer promover junto à população. Como, por exemplo, o uso do preservativo ou direção defensiva no trânsito.

            Já no caso do preço, há a necessidade de um entendimento amplo das principais barreiras financeiras, psicológicas, culturais, políticas e ambientais para que esse comportamento seja adotado. Por exemplo, muitos fumantes sabem as conseqüências avassaladoras para sua saúde desse hábito, mas consideram que o preço de renúncia ao prazer proporcionado pelo fumo é alto demais para a adoção de outro comportamento. Isso também acontece no caso da alimentação, dos exercícios físicos, do trânsito, etc.

            A praça é estabelecida como a estratégia de aproximação desses produtos sociais aos públicos adotantes. Não adiante nada falar sobre o uso do preservativo, se não estiverem presentes nas escolas, postos de saúde, entre outros locais não tradicionais, como as farmácias e supermercados. Aliás, diversos governos estaduais e municipais devem ser parabenizados pela iniciativa de trazer o debate sobre o uso dos preservativos para as escolas secundárias.

            Finalmente, a promoção é toda a estratégia de aproximação dos públicos adotantes ao produto social. Fazer com que comportamentos saudáveis se tornem algo prazeroso e de “status” são algumas abordagens de comunicação fundamentais para a correta promoção do produto social. Ou seja, apenas a promoção dos males causados pelos comportamentos anti-sociais e ambientais é uma estratégia bastante restrita e com pouco impacto para o público-adotante em potencial.

            O Brasil é conhecido mundialmente por suas estratégias de marketing comercial e promoção de produtos. Agências com profissionais altamente criativos e dedicados conseguem fazer com que diversos públicos se interessem por qualquer tipo de produto. No entanto, deixamos para os burocratas de plantão a tarefa de tornar comportamentos sociais interessantes e objetos de desejo. Logicamente, a conseqüência é que esses comportamentos não são adotados a não ser nos casos de penalidades específicas, como as multas. Precisamos de profissionais de marketing social que tragam para esse mercado seus talentos e sua energia para que o país se prepare para as grandes transformações socioambientais desse início do século.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Marketing Social para o Gerenciamento de Conflitos

Muitos acreditam que o gerenciamento de conflitos é uma matéria que não se deve aprender na escola, mas sim no cotidiano ou no ceio familiar. No entanto, como se preparar para possíveis perdas durante a vida como resultado de conflitos pessoais, profissionais e financeiros? Será que o mundo ou a família está preparado(a) para ensinar como um indivíduo deve proceder para a resolução de conflitos? Os indicadores sociais que se relacionam de alguma forma com conflitos – por exemplo, violência entre adolescentes ou violência doméstica, parecem indicar que a maioria dos indivíduos não estão preparados para lidar com seus conflitos.

Aprendi em minhas aulas sobre diplomacia durante a faculdade que as negociações entre duas nações vão até onde não se impõe o uso de força para a resolução de conflitos. Quando isso acontece, os negociadores ou a diplomacia simplesmente saem de cena, deixando que o confronto de forças entre as partes diga quem tem o “poder” de imposição. Isso acontece também na vida privada e social, fazendo com que a aniquilação do adversário se torne o objetivo central de uma “missão”. O que pareciam ser colegas ou afins em um determinado momento, tornam-se rivais e inimigos mortais (amigo contra amigo, irmão contra irmão, marido contra esposa, colega de trabalho contra colega de trabalho, organização social contra organização social).

Os principais motivos para a incapacidade de gerenciar conflitos estão relacionados à falta de entendimento sobre o que seja gerenciamento de conflitos, de canais de comunicação claros para este fim e de capacitação sobre como proceder no caso do surgimento de um conflito específico. Em relação ao primeiro motivo, geralmente muita ênfase se dá sobre um determinado problema social e não a sua causa. Por exemplo, é muito mais fácil se mensurar e falar sobre a violência familiar do que ressaltar suas causas (como a falta de habilidade para a resolução de conflitos domésticos). Estudos sobre conflitos são necessários para um entendimento mais amplo de suas raízes e as principais situações ou comportamentos que podem gerar atritos entre indivíduos e organizações.

Talvez, esses estudos poderiam servir como fonte importante para a geração de canais de comunicação para a resolução de conflitos. Os canais de comunicação, atualmente, servem mais como canais de informação; ou seja, não oferecem a possibilidade de interação entre os indivíduos. Isto acontece também no ceio familiar. Será que pais sabem qual seria o canal de comunicação eficiente de diálogo com seus filhos? Será que apenas a informação sobre “como foi seu dia hoje” é suficiente para o estabelecimento de um canal de comunicação eficiente que possa trabalhar os conflitos familiares? Quais são esses canais? Como devem ser trabalhados? Ainda há muito o que se avançar.

Finalmente, fraternidade, amizade, amor, fidelidade e compreensão são palavras importantes para a convivência humana, mas qual o entendimento que se tem sobre esses conceitos? Será que apenas são lembrados como dogmas religiosos ou no imaginário do que seria o ideal de felicidade, mas que nada representam quando surge um determinado conflito na vida real? O trabalho de sistematização de formas e técnicas para o gerenciamento de conflitos é fundamental para o fortalecimento de laços interpessoais e institucionais de toda a sociedade.

Para todos esses pontos levantados, as ferramentas de marketing social (pesquisa, planejamento e definição de marketing mix) podem auxiliar para que o trabalho de gerenciamento de conflitos não fique apenas em um plano abstrato de intervenção. Além disso, com a utilização dessas ferramentas, tecnologias sociais para a resolução de conflitos podem ser identificadas, tirando do anonimato profissionais e organizações sociais que já entenderam há muito tempo atrás que este é um tema fundamental para a sociedade brasileira. De fato, algumas empresas, como a Caixa Seguradora, começam a compreender a importância e concretude desta causa e estão buscando formas de trabalhar e investir nesta importante área social.    

Quando a força bruta nos atinge (verbal, física ou moral) nos vem sempre o sentimento de perda sobre uma relação, mas não se consegue identificar ou lembrar o que poderia ter sido ou trabalhado de forma diferente. A pergunta mais frenquente é: Como se chegou ou deixou chegar a este ponto? O gerenciamento de conflitos necessita de um trabalho multi-setorial e integrado, e a participação de empresas abre caminho para que os membros da sociedade se entendam melhor e que profissionais possam ser mais produtivos.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Quem é o Agente Público?

-          VOCÊ.
-          Mas eu trabalho em uma empresa. O agente público não seria alguém que passou em um concurso para trabalhar no governo?
-          NÃO, É VOCÊ.

Sempre fiquei intrigado com a classificação de agente público como alguém que trabalha no governo. Serviço público, funcionário público, escola pública, entre outras expressões, sempre me pareceram associados, no senso comum, a governos. No entanto, o conceito de público se refere basicamente a prestação de serviços e bens que devem ser disponibilizados de forma a não restringir o uso de qualquer pessoa. Essa restrição pode ocorrer, por exemplo, pela falta de pagamento ou necessidade de exclusividade, como no caso dos bens privados.

            Sendo assim, a associação de público a tudo que se refere a governos é falsa. Talvez, os governantes até queiram enxergar desta forma para que possam restringir a participação popular no desenvolvimento de leis, melhoria dos serviços e bens públicos, e controle do sistema judiciário. Ou seja, tentam “privatizar” ou restringir o acesso a esses bens públicos para atender a seus próprios interesses. Essa pode ser a principal razão, por exemplo, do corporativismo em diversas instâncias governamentais.

            Qualquer indivíduo pode ser um agente público, sem restrição. Não há necessidade de fazer concurso, nem de se submeter a pleitos eleitorais. A “carreira” pública pode acontecer em diversos âmbitos, sendo que ações no nível comunitário são as mais sustentáveis e de maior impacto. Grupos feministas, gays, prostitutas e tantos outros grupos de cidadãos brasileiros provam, todos os dias, como a carreira pública pode acontecer de maneira ainda mais eficaz quando não nos restringimos ao conceito de público com algo governamental. Colocam seus respectivos destinos em suas próprias mãos e buscam a equidade social sem esperar que um burocrata qualquer as(os) diga o que fazer ou se são merecedores ou não de direitos socioeconômicos.

            A saúde é pública, a educação é pública e a assistência social é pública. No entanto, esperar que o governo seja o único provedor destes bens públicos é ilusão. VOCÊ pode e deve lutar pela equidade social. VOCÊ pode e deve buscar a melhoria de condições da vida da população. VOCÊ pode e deve mudar o destino de nosso país. Além disso, caso queira se engajar de forma estratégica no processo de transformação social, saiba que muitas ferramentas e conceitos estão a sua inteira disposição.

Após uma releitura do que descrevo acima, descubro que este agente público também sou EU.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Esporte de rendimento é ciência, desenvolvimento social também deveria ser

            Há alguns anos, durante o lançamento de uma pesquisa sobre determinantes de violência entre os jovens do Distrito Federal patrocinada pela Caixa Seguradora, tive a grata oportunidade de conversar com um de nossos maiores atletas: o meio-fundista Hudson de Souza. Sendo uma de nossas maiores esperanças para os jogos panamericanos na época, perguntei qual seria o principal fator que leva um atleta a ser um grande campeão. Com sua humildade característica, ele me respondeu: determinação!

            Fiquei impressionado com sua resposta rápida e clara e acabei descobrindo que na área social temos muito a aprender com o esporte. Todo atleta que deseja obter resultados significativos precisa estudar bem suas provas, modificar seus comportamentos e aplicar conhecimento e novas técnicas a suas práticas esportivas. Tudo isto para diminuir, muitas vezes, em segundos o término de uma prova e bater seus próprios recordes. Sabe que completar uma prova em zero segundo seria impossível, mas é a busca do impossível que os faz chegar cada vez mais perto de marcas impressionantes para um ser humano. Um atleta de rendimento simplesmente não sai correndo como louco sem qualquer estratégia ou avaliação do seu rendimento.

             Podemos aprender muitas lições com este tipo de postura na área social. Sabemos que muitas taxas de problemas sociais, como violência, repetência e abuso sexual, talvez nunca cheguem a zero por cento. No entanto, podemos identificar quais são os fatores que levam a uma diminuição destas taxas. Por exemplo, no caso de mortalidade infantil, sabemos que a desnutrição é a maior causa para um aumento desta triste taxa. Além disto, temos outros fatores como falta de envolvimento dos pais, falta de atendimento pré-natal, etc. Ou seja, trabalhando bem estas determinantes, diversos países já demonstraram que é possível a redução da taxa e bater recordes de sobrevivência infantil. Pesquisadores de todo o mundo apontam estes fatores e os gestores sociais de "rendimento" implementam os programas nas comunidades.

            Sendo assim, pobre do gestor social (incluindo empresas, governos e ONGs) que não se utiliza da ciência para estabelecer e adquirir o conhecimento sobre as determinantes dos problemas sociais. Pensa que sabe praticar este “esporte”, mas não passa de um atleta amador de final de semana. Pode até se sentir bem individualmente pela tal prática, mas não contribui em nada para que seu país consiga atingir marcas significativas de desenvolvimento social. Não está disposto a fazer sacrifícios reais pela melhoria do rendimento escolar de suas comunidades, pela redução das taxas de violência e diminuição da pobreza.

            Hoje, mais do que nunca, nosso país precisa de recordes e rendimento social. Precisamos acabar com as taxas de analfabetismo que trazem tanta vergonha para nossos cidadãos. Precisamos reduzir as taxas de violência entre jovens que causam quase 70% das fatalidades na população entre 18 e 24 anos. Precisamos nos esforçar, ainda mais, para reduzir as taxas de transmissão do HIV/AIDS e erradicar focos de epidemias de doenças tropicais (malaria, dengue, zica, etc.).

            E, foi assim, ao final do evento que me despedi do Hudson dizendo: vou ficar na torcida para que você traga muitas medalhas para nosso país durante os jogos panamericanos. E, ele me respondeu com um singelo sorriso no rosto: eu também vou ficar na torcida para que as empresas tragam mudanças significativas para nossas comunidades e país durante a implementação de seus programas sociais.


            Obrigado, Hudson, pela lição!